O aplicativo estava na loja. Várias pessoas desconhecidas baixando, usando e dando feedback desde que comecei a estratégia de ir atrás de usuários nos Facebook Groups de investimentos.
Mas como disse no texto anterior, para o Real Valor deixar de ser um projeto e se tornar empresa, a gente precisava de uma coisa: fazer dinheiro.
Se você caiu de paraquedas, dá uma lida nos textos anteriores aqui.
Nosso plano era simples, como já falei.
Fazer o app ser capaz de substituir planilhas básicas de acompanhamento.
A partir daí, a gente criaria um plano premium, que teriam análises mais aprofundadas, mais ativos para acompanhar, mais…. ??
A gente falava do nosso modelo freemium no nosso pitch. O pitch completo está no final do texto.
Na real MESMO, a gente não tinha uma PUTA ideia do que botar no premium. Mas sempre que perguntavam qual era a visão da empresa, a gente falava que era adotar um modelo de negócios parecido com do Spotify.
O que o plano premium teria? Não temos certeza. Quando é hora de fazer o plano premium? Não sei também. Será que o pessoal vai comprar? Sei lá.
Olhando para trás, dá para ver que dois grandes motivos faziam a gente focar mais em melhorar a ferramenta free do que implementar o plano premium:
A gente de fato queria fazer a melhor ferramenta de acompanhamento de investimentos do Brasil e aquele modelo estava dando certo para isso: cada vez mais pessoas estavam usando e dando ideias de como melhorar
A gente tinha medo de “vender” o produto.
Permita-me aprofundar um pouco mais esse ponto 2.
Eu e o Gabriel somos de background de engenharia mecânica. Sabe o que você aprende durante a faculdade de engenharia mecânica?
Várias coisas. Mas VENDER não é uma delas.
Tipo de coisa que se aprende em engenharia mecânica. Muito interessante, mas não é "vendas"
Depois, eu e ele trabalhamos com consultoria, melhorando os processos e a estratégia das empresas clientes. Mas também não aprendemos a vender lá.
Vender não é trivial para quem nunca “praticou”.
É difícil.
Qual preço colocar? Como convencer a comprar? E se não funcionar? Abaixa o preço? Melhora o produto? O que fazer?
São MUITAS dúvidas que me atormentavam a cabeça e, de forma inconsciente, eu me enganava falando que ainda não era hora de botar o premium na rua. No fim, era medo de vender.
Mas se a parte de monetização ainda não saiu do papel, a parte de fazer a melhor ferramenta de acompanhamento de investimentos do Brasil estava indo de vento em popa.
O Real Valor já tinha 100 usuários diários ativos.
Pode parecer um número pequeno, mas se lembre que a gente fez o app sem saber programar, da biblioteca da Puc e nossa verba de marketing foi um total de 0 reais até agora.
E mais importante do que o valor absoluto de DAU (Daily Active Users), era o crescimento a cada semana.
O bom empresário precisa pensar no futuro. Como a nossa persona se mostrou ser muito mais propensa a usar iPhone do que Android, o futuro do app era ter versão para iOS também.
Mas como?
A gente estava matando um leão por dia para desenvolver o android na linguagem Java de programação.
Para um app iOS, era preciso desenvolver em Swift e eu não tinha nem ideia por onde começar.
Nessa mesma época, o Patrick Rahy (que além de amigo era um mentor) apresentou o conceito desenvolvimento híbrido: existiam uns frameworks que permitiam o desenvolvimento do app em uma linguagem e depois você conseguia “exportar” esse app para o formato aceito pelo Android e iOS.
Isso economizaria tempo, porque em vez de ter que desenvolver 2 vezes o mesmo app, só seria necessário desenvolver uma vez.
Mas o único framework que conhecíamos na época era um chamado Ionic. E os apps feitos em Ionic eram meio travadões.
Lembra que nosso objetivo era fazer o melhor app possível?
O Ionic não iria permitir isso.
Então colocamos na cabeça que a gente iria precisar do app iOS desenvolvido nativamente e não com um framework híbrido.
Mas como fazer isso?
Uai, simples. Estamos na PUC Rio. Tem curso de ciência da computação. Vamos achar um louco que programe em Swift e convencê-lo de embarcar nessa jornada com a gente.
Saímos buscando email o email dos professores e mandando mensagens do tipo “oi, sou ex Puc e estou criando uma startup. preciso do seu melhor aluno como estagiário”.
Um dos emails enviados para os professores para bater papo.
Conseguimos bater papo com eles e descobrimos que na Puc existia um negócio chamado Bepid (Brazilian Education Program for iOS Development). Era um programa financiado pela Apple para treinar desenvolvedores em sabe o q? Swift!
Nessa época, conheci a Karina Tronkos e pedi contatos para ela.
Marcamos algumas entrevistas de emprego para o Real Valor.
Elas eram conduzidas no bosque da Puc, porque a biblioteca era muito barulhenta e não tínhamos salas.
As entrevistas para o Real Valor eram feitas nessas mesas, no bosque da PUC
Inicialmente, todos queriam participar do Real Valor, mas ninguém topou entrar no risco sem ganhar 1 real de remuneração, só equity… empreendedor é maluco mesmo né?
A gente não só não estava tirando salário, como estava gastando dinheiro acumulado ao longo da vida para tirar aquele sonho do papel.
Tivemos que adiar o sonho de ter a versão para iPhone porque ninguém quis vir trabalhar com a gente.
Você pode estar se perguntando: Por que esse louco contou essa história toda sobre iOS que não deu em nada?
A resposta é: para mostrar como é a vida do empreendedor.
A vida do empreendedor é tentativa e erro.
Muitos dos planos que ele traça acabam dando errado e ele tem que fazer igual ao Waze: recalcular a rota.
Estava ficando de saco cheio de só contar as coisas que estavam dando certo e decidi adicionar alguns casos desses que “não deram em nada” para ilustrar melhor o dia a dia.
O Gabriel já tinha me convencido de fazer a inscrição pela segunda vez, mas uma coisa nos chamou muita atenção.
A ACE tinha acabado de fazer um curso em parceria com a Empiricus (casa de research de investimentos). Nessa época, a gente conseguia ver CLARAMENTE que o Real Valor provavelmente seria adquirido por um banco, uma corretora ou pela Empiricus.
E se a ACE tinha uma relação próxima com a Empiricus, ir para a ACE poderia, além de todas as benesses usuais de uma aceleração, abrir porta para conversas com a Empiricus.
Nem me venha falar que isso é falácia narrativa porque tenho provas. No fim do texto tem um link do pitch que a gente fez para a ACE que menciona a Empiricus.
Slide de possíveis exits do Real Valor em junho de 2017. O pitch completo está no final do texto.
Agora a gente estava confiante que ia passar na ACE.
O app tinha deixado de ser esquisitinho e já funcionava bem. Ao invés de 10 amigos testando, a gente já tinha 100 pessoas desconhecidas usando e dando feedbacks.
A gente também passou algum tempo debruçado sobre nossa aplicação anterior pensando no que poderia melhorar.
Mesmo que o produto seja bom, o mercado seja grande, a execução seja boa, e tudo mais, é necessário conseguir demonstrar isso através da aplicação.
De que adianta ter tudo isso e fazer uma aplicação que não mostra com clareza cada ponto?
Nos empenhamos MUITO mais do que a primeira vez e fizemos uma aplicação exemplar.
Com números melhores, produto mais evoluído e uma aplicação MUITO melhor, fomos aprovados para a última fase.
Agora era hora de ir para a sede deles em São Paulo e fazer um pitch para os sócios.
A gente não estava mais disposto a deixar a aprovação na ACE ao acaso. Treinamos o pitch à exaustão.
Passamos literalmente horas apresentando um ao outro e colhendo insights do que poderia ser removido para ter mais punch. O que deveria ser adicionado para ficar mais claro. Como falar de forma mais clara. Como apresentar sem ficar falando “ééééé” entre cada frase.
A gente chegou a apresentar para o pai de um amigo para simular uma apresentação para quem não conhecia o produto.
A gente estava pronto.
Fomos até SP, fizemos o pitch e voltamos.
Um detalhe importante. No final do pitch, a gente falava especificamente sobre a importância da ACE no Real Valor devido ao fato deles terem relações com a Empiricus. Seria o famoso Smart Money.
Indo apresentar. Como nossa solução era de investimentos, a gente se vestia assim.
Pouco tempo depois veio o email do Pedro Waengertner falando que a gente tinha passado e que iria me ligar em breve.
Atendi o telefone e passei 1 dos fones para o Gabriel para que ele pudesse ouvir também.
Era real.
A gente tinha passado na ACE. E o fundador estava nos ligando para nos convidar a entrar na aceleradora.
Aquilo foi bem importante pra a gente. Aquela nossa ideia de que muita gente achava loucura passou pelo crivo de profissionais em startups.
Ahh…, mas tinha um detalhe.
Nessa época, a ACE tinha 2 programas de aceleração: o Start e o Growth.
O Start era para empresas em estágio inicial. Era como se fosse uma repescagem. As empresas ficariam 4 meses seguindo a metodologia e crescendo. Se performassem bem o suficiente, elas passariam para o Growth.
A gente passou para o Start.
Ir para o Start não era certeza de conseguir chegar no Growth.
Mas o aporte financeiro só acontecia no Growth.
Era 150 mil reais por 10% da empresa.
Eu tinha ficado PUTO da vida em fevereiro quando recebi o email dizendo que nossa empresa ainda estava num estágio inicial.
Ao ser direcionado para o Start, a ACE estava falando algo na linha de: “vocês evoluíram, mas ainda estão num estágio um pouco inicial para a gente. Queremos ver mais de perto para ver se faz sentido botar dinheiro em vocês”
Peço desculpas. Eu tô levando a minha ideia de “escrever como se fosse uma conversa” ao pé da letra.
Estou me lembrando de coisas que eu deixei de falar e tô tomando a liberdade poética para
introjetar no meio do texto.
Estou falando para caramba sobre a aceleradora, mas esqueci de mencionar o que ela é.
Uma aceleradora de startups é uma empresa que investe dinheiro em startups em troca de um percentual delas. Além disso, elas contribuem para o amadurecimento e crescimento do negócio.
Geralmente elas têm uma metodologia própria que é ensinada no dia a dia para as aceleradas (startups) através dos aceleradores (funcionários da aceleradora).
A rede de uma aceleradora também é muito importante, porque ela contempla:
Investidores anjo e fundos de investimento
Pessoas chave de várias empresas
Outros founders
Mentores
Além disso, aceleradoras costumam ter parcerias com empresas de tecnologia como Google, AWS, Microsoft, Monday etc. para disponibilizar créditos para suas aceleradas.
Lembra que eu falei que a gente tinha decidido fazer o Real Valor funcionar com o dinheiro que a gente tinha juntado?
Ir para a ACE implicava ir para São Paulo, gastar com aluguel, com comida, com passagens para o RJ para ver a família.
Esses gastos iriam corroer o runway (tempo até o caixa chegar a zero) do Real Valor.
Fazia sentido gastar dinheiro com aluguel, comida e passagens?
Temos um dilema aqui. Será que os ganhos de ir para a aceleradora são maiores do que as perdas de diminuir o runway?
Parece uma dúvida meio imbecil: óbvio que valia a pena ir.
Mas quando é o dinheiro que você juntou a vida inteira que está na reta, as dúvidas começam se empilhar na cabeça do empreendedor que já não tem poucas na cabeça.
Só tinha uma forma de decidir:
Entrar em contato com founders que já tinham passado pela ACE, por founders que disseram NÃO para a ACE e founders que prosperaram mesmo sem aceleradoras.
Eu sinceramente não lembro como conseguimos o contato dessas pessoas, mas saímos falando com MUITA gente.
Pegamos aquelas conversas e passamos dias ponderando sobre os prós e os contras.
A verdade é que a gente queria ir, mas estava com medo de nao passar pro Growth e ter reduzido o runway da empresa (nosso dinheiro) a toa.
É tipo aquela pessoa que quer fazer bungee jump, mas na hora de pular, o medo toma conta.
E o pior: não tinha ninguém para dar aquele empurrãozinho.
Depois de planilhar todos os riscos, os prós, os contras, pegar insights de outros empreendedores, de nossas famílias, de advogados, de videos do youtube, de tudo que é canto a gente tomou uma decisão:
Quer saber? Foda-se. Vamos pra essa porra e vamos fazer isso dar certo.
Demos o aceite, assinamos o contrato (não sem antes passar por alguns advogados amigos) e começamos a nos planejar para mudar o Real Valor da biblioteca da PUC no RJ para a ACE, em São Paulo.
Quarta feira que vem, o Real Valor entra na sua fase paulistana. Dizem que o dinheiro está em São Paulo. E a gente precisava começar a fazer dinheiro. Estava tudo se alinhando.
PS 1: Link do pitch para a ACE
PS 2: Tá ficando meio bagunçado esse modelo de 15 partes nos artigos do LinkedIn. A partir da semana que vem, vou começar a postar esses textos na plataforma de comunidade que eu estou construindo com o mesmo Gabriel Farias e Thiago Ferolla que me ajudaram a fazer o Real Valor.