Parte 10: Da rejeição à monetização
Eduardo BelottiSCARFMembro ExperienteEngaja y Engaja
Publicado há 232 dias

Parte 10: Da rejeição à monetização

Estamos em meados de 2018.

Depois de receber 150k de investimento, a gente tinha contratado um desenvolvedor para refazer o app com as melhores práticas e de quebra lançar a versão iOS.

Nesse meio tempo, também trouxemos uma pessoa para ajudar no marketing.

O Real Valor estava crescendo. Tanto em time quanto em usuários.

O problema continuava o mesmo: fazer dinheiro.

E a gente continuava testando modelos diferentes para monetizar.


Mas como você leu no último texto, tudo isso estava prestes a mudar. A gente tinha uma reunião com Gabriel Leal, o número 2 da XP.

O objetivo era bolar uma forma de fazer o Real Valor trabalhar em conjunto com os escritórios de assessoria.

Relembrando o projeto Real Valor <> XP

Um escritório de assessoria sempre busca aumentar o Share of Wallet (percentual do patrimônio dos clientes que está investido com ele).

É fácil aumentar Share of wallet de um cliente, convencendo-o a tirar um investimento ruim de um banco e levar para o escritório do que ir atrás de um cliente novo.

Mas a tarefa de aumentar esse Share of wallet não era trivial. O dinheiro que o cliente tem fora do escritório é uma grande incógnita para o assessor.

Com o Real Valor, o cliente teria um acompanhamento de investimentos muito melhor do que tinha naquele momento e de quebra, o assessor teria acesso a informações de todo o patrimônio do cliente.

Com isso, era possível criar automações para falar com o cliente e recomendar a troca de um produto para o outro.

A ideia era revolucionária.

E um dos maiores escritórios da XP na época (Acqua) tinha adorado a ideia e agora só faltava ter o aval da própria XP.

Mas o aval era meio óbvio.

Reunião com Leal

Pré reunião

Marcamos a reunião com o Leal. Como ele tinha uma agenda muito apertada, ele que decidiu o dia e horário.

Seria numa sexta as 18:00.

O Edgar da Acqua se voluntariou a participar da reunião, mas preferimos ir sem ele.

Por mais que fosse bom ter um PUTA sponsor de peso, a gente achou que a gente não precisaria de uma “babá”.

Maldito ego entrando no meio e atrapalhando tudo. Olhando para trás, isso foi o nosso primeiro erro.

Antes da reunião, sondei com muitas pessoas do mercado financeiro: “Vou ter uma reunião com o Leal. Tem alguma dica de como me portar?”

O pessoal foi unânime: “Não abre muito o jogo. O pessoal lá é raposa.”

Mas isso parecia meio bobo para mim. Pode até ser raposa, mas por que ela diria não para um projeto que ajudaria a captar milhões e milhões de reais?

A reunião

Cheguei na XP com o Gabriel com 20 minutos de antecedência.

A recepcionista nos levou para uma sala de espera e lá ficamos até as 17:55.

Scared Still Waiting GIF by Looney Tunes

15 minutos que pareceram uma hora


Por volta desse horário ela vem até a gente e fala que o Leal não vai poder participar, mas uma outra pessoa conduziria a reunião com a gente.

Beleza. Não é o melhor dos mundos, mas o que que poderia dar errado?

Entramos na reunião.

A reunião era com uma pessoa de tecnologia da XP.

Começamos a apresentar o Real Valor e o projeto que poderíamos construir em conjunto com a XP.

Ele questionava absolutamente tudo.

Falava que não dava pra fazer, falava que a gente estava usando fórmulas erradas para calcular a rentabilidade, falava que o compliance da XP não deixaria e por aí vai.

A reunião foi um fracasso.

Pós reunião

Saímos da reunião meio atordoados.

Como é que uma reunião pode ser tão ruim?

Conversa com o Gabriel beeem depois, mas que mostra que esse episódio nunca foi esquecido.

Falamos para o Edgar e ele também ficou arrasado.

Olhando para trás, esse foi o nosso segundo e maior erro. Não julgo tanto, porque éramos inexperientes e estávamos muito pressionados para monetizar.

No momento que fomos avisados que Leal não participaria, a gente deveria ter dito:

“Então vamos remar. Nossa reunião é com o Leal.”

E ter saído andando.

Mas a gente não tinha a experiência de fazer isso lá atrás.

E por causa desse deslize, caímos numa armadilha.

Picture Trap GIF

Tentando ficar mais forte depois de cair na armadilha.

Não sei se intencional ou não.

No final da tarde de uma sexta feira, lá estávamos nós contando sobre um projeto revolucionário para um cara de tecnologia da XP.

Um cara que só tinha a perder caso o projeto de tecnologia de “moleques de 24 anos” que nunca trabalharam no mercado financeiro desse certo.

Imagino que tenha sido por isso que ele fez questão de matar o projeto mesmo antes dele nascer.

Empresa grande né? Interesses pessoais as vezes falam mais alto do que os interesses da empresa. Infelizmente.

O único upside dessa história foi perceber que mesmo sem ser do mercado, a gente já entendia mais daquilo do que pessoas do mercado. Esse cara que conduziu a conversa cometeu ATROCIDADES lógicas ao explicar como deveria ser feito o cálculo de rentabilidade.

Mas e agora? A gente contou tudo para eles, ignorando a dica que mais de uma pessoa nos deu de “não abrir o jogo, pois eram raposas” (esse foi o terceiro erro).

Será que eles vão nos copiar?

Se vão ou não, não tem muito o que fazer, então é torcer para que não copiem e continuar fazendo o trabalho.


Montanha Russa de emoções com amplitude crescente

Em algum dos textos passos, falei que essa vida de startup é como se fosse uma montanha russa, mas onde os vales são cada vez mais baixos e os picos cada vez mais altos.

Montanha russa de emoções com picos e vales aumentando amplitude.

Essa situação com a XP mostra claramente isso.

Eu estava me sentindo o dono do mundo.

A gente ia fechar uma parceria com a XP, expandir para todos os escritórios e ajudar os caras a fazer dinheiro para caceta.

Isso nos daria reconhecimento no mercado financeiro além de finalmente fazer dinheiro.

O melhor de tudo? Fazia muito sentido. Todos sairiam ganhando.

Mas ainda faltava “combinar com os russos”.

E “os russos” jogaram um balde de água fria na gente.

Ice Bucket Challenge News GIF


O clima foi de “somos os donos do mundo” para “somos uns fracassados”.

“Porra, a gente faz um puta app, tem endosso dum escritório gigante e mesmo assim a gente não consegue progredir?

Então o que que a gente tem q fazer? Fazemos tudo certo e mesmo assim, a gente se fode no final.”

É difícil de explicar o quão ruim é um vale desses, porque ele é mais psicológico do que racional. A gente tinha um app bom, estava crescendo, as pessoas amavam…

Mas….

Momentos como esses fazem você se questionar de tudo.

“Faz sentido eu trabalhar 12 horas por dia sem ganhar nada e ainda ficar me humilhando em reunião assim para no fim receber um NAO?”

Bem… dane-se… a gente não ia desistir ali, então a única coisa que fazia sentido era arranjar uma nova forma de fazer dinheiro.

Versão nova do app

Permita-me tentar melhorar o clima desse texto trazendo novidades do aplicativo.

O Ferolla tinha finalizado a nova versão do app.

Ela ficou mais bonita, deixou de ser um conjunto de gambiarras e ainda vinha com uma funcionalidade nova que todo mundo sempre pediu: importação automática.

Contextualizando “importação automática”

Quando alguém baixava o app, ela precisava cadastrar todos os investimentos que ela tinha até então.

Isso dava um trabalho do cacete.

Para qualquer ativo, era preciso preencher:

• Tipo do ativo

• Nome do ativo

• Data do investimento

• Preço do ativo

• Quantidade

E alguns tipos tinham ainda mais campos.

Se seu portfolio fosse composto de 15 ativos, você teria 15 vezes esse trabalho.

A gente sabia que o app tinha um puta valor porque mesmo com todo esse trabalho, MUITA gente estava usando.

Protótipo de como seria a importação automática

Mas se a gente conseguisse buscar automaticamente essas informações seria game changer.

Isso era a famosa importação automática.

Testando o app novo

Quando o Ferolla liberou o teste interno, percebemos algo estranho.

A tela de inicial demorava demais para carregar.

No app antigo, esse carregamento era da ordem de 3, 4 segundos.

Tá certo que eu estava testando com uma carteira de investimentos bem pesada, mas o loading estava passando de um minuto.

O app ainda não estava pronto. Era chegada a hora de fazer otimizações nos cálculos.

Mas enquanto isso, eu já estava avisando o pessoal pela newsletter que tinha novidade vindo.

Não adianta só fazer os cálculos certos. Eles têm que ser feitos da maneira mais eficiente possível para não deixar o usuário esperando horas.

Depois de dias fazendo otimizações, o load estava demorando bem menos.

Coise de 30 segundos nessa carteira “pesada” e uns 10 em carteiras normais.

Na pressa de colocar essa versão com importação automática na rua logo, decidimos subir essa nova versão na loja e ir otimizando mais ao longo da semana.

Era a velha política de trocar a roda com o carro andando.

Dez segundos de load era ruim, mas a importação automática compensaria em muito esse problema.

Subimos o app na loja.

Armagedon

As pessoas que tinham carteiras “leves” realmente viram pouca diferença.

Mas o impacto na vida de quem tinha carteira pesada foi assustador.

Foi horrível.

Pessoal estava reclamando para caceta.

Como eu sempre fiz questão de construir o app com a própria comunidade, muitos usuários tinham meu WhatsApp pessoal.

Uma merda desse tipo não ficava contida só na vida profissional. Ela invadia a minha vida pessoal porque eu começava a receber uma porrada de WhatsApp de usuário putaço.

Agora imagina isso acontecer pouco tempo depois de ter recebido a negativa na “reunião do leal”.

O psicológico foi pro cacete.

Outro momento quando o psicológico foi pro cacete no Real Valor, mas que reflete bem a situação

Lembro de ter uma conversa séria com o Gabriel sobre o que a gente deveria fazer:

  • Dar rollback (voltar para a versão anterior), assumir o erro, explicar o que rolou e só subir o app quando estivesse otimizado?

  • Seguir com o plano e ir otimizando?

Não foi uma decisão fácil, mas decidimos dar rollback e mandar um email fazendo um mea culpa.

Esse email ficou famoso na comunidade do Real Valor.

Não é sempre que você recebe um email com o assunto “Eu errei, desculpa”.

Nele, eu expliquei sobre o desenvolvimento do novo app, como ele tem funcionalidades melhores e como a gente errou em colocar ele na rua antes da hora. Expliquei que demos rollback e só voltaríamos com essa nova versão quando ela estivesse 100% pronta.

Aquilo deu uma acalmada boa no pessoal. Eles viram que a gente fez besteira, mas percebeu e estava trabalhando forte para corrigir.

Dizem que errar te torna mais forte. Dito isso, segue uma foto minha com o Gabriel nessa época.

Novas formas de monetizar

Tinha um cotista da ACE que sempre estava pelo escritório e adorava do mercado financeiro.

Ele já era mais velho e sempre trocava ideia com a gente numa pegada meio mestre dos magos, soltando algumas ideias interessantes, mas que a gente não conseguia pensar em como fazer.

Um dia ele conectou a gente com o sócio de um escritório de assessoria.

Esse sócio era o Vinicius Bendela, que estava na Rio Capital na época.

A gente conversava sobre como usar o Real Valor para ajudar o escritório e fazer dinheiro.

Ele achava que fazia sentido usar o Real Valor para gerar leads para o escritório converter.

A parceria com a Rio Capital acabou não saindo do papel porque em pouco tempo, ele saiu do escritório e foi para a Monte Bravo.

Parceria com a Monte Bravo

A Monte Bravo também era um dos maiores escritórios da XP da época. Se não me engano, ainda é.

Lista do G20 (20 maiores escritórios da XP) da época.

Ele levou essa ideia de gerar leads para a Monte Bravo e os fundadores curtiram.

Opa… Mais um teste de monetização.

A ideia era mais simples do que a que tivemos junto com a Acqua.

Com a Acqua, a gente queria disponibilizar o Real Valor para quem já era cliente Acqua, melhorando a experiência deles e abastecendo os assessores com dados.

Com a Monte Bravo, a gente queria gerar leads da nossa base de usuários para a Monte Bravo converter em clientes.

Isso era muito mais simples e não precisaria de aval nenhum da XP.

Fizemos algumas reuniões com os fundadores, Pier e Portela.

O santo bateu. Eles tinham uma visão de investimentos, clientes, construção de empresa muito parecida com a nossa.

A partir dali começamos uma parceria.

A gente mandaria leads para a Monte Bravo e receberia um percentual da receita que esses clientes gerassem lá no escritório.

Parece mentira, mas finalmente conseguimos achar uma forma de fazer dinheiro.

Não tem pegadinha.

Não tem plot twist.

Não tem um vilão que aparece para melar os planos.

Estamos no fim de 2018 e depois de 2 anos conseguimos achar uma forma de fazer dinheiro.

A parceria com a Monte Bravo foi crescendo e a gente já se via produzindo conteúdo em conjunto com eles.

Essa parceria ainda não dava muito dinheiro, mas tinha bastante potencial.

O Real Valor estava nos trilhos.

Próximo capítulo

Uma startup não se trata “apenas” de criar um produto bom para um mercado bom e ter boas estratégias para chegar até o cliente final.

Também passa pelo lado humano dos sócios.

A gente iria aprender isso dali a pouco tempo, quando um burnout em São Paulo nos fez voltar para o Rio de Janeiro.

Não adianta a empresa começar a prosperar e a saúde mental se deteriorar.

É preciso equilibrar os dois.

O próximo capítulo traz como esses dilemas moldaram o futuro do Real Valor.

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