Logo depois do Real Valor ser adquirido, lembro do Pedro Waengertner falando sobre a importância de "give back" para a comunidade de startups durante um call. Essa prática é comum dentre as investidas da ACE que passam por um exit. A Ace pede apenas uma coisa: ajude mais startups alcançarem o sucesso.
Desde então, investi em algumas startups, mentorei pessoas e ajudei algumas pessoas a tirarem a ideia do papel
Decidi fazer um quadro aqui no LinkedIn inspirado no Tiago Vailati e o GrandFounder. A minha ideia é contar um pouco mais a fundo como foi a história do Real Valor até o Exit, entrando em detalhes que geralmente ficam de lado em 15 partes.
Como não tenho interesse em vender curso, me tornar influencer ou qualquer coisa do gênero, não vou me preocupar em contar uma história só de acertos. Vou contar exatamente como foi. Com as dificuldades, erros e acertos.
Meu objetivo é conseguir mostrar que não são só os mais capacitados que vencem. Geralmente são os que tem mais força de vontade. Eu fundei uma fintech sem ter background financeiro e nem de tech. Todos os concorrentes do mercado eram mais qualificados do que eu. Mas a velocidade com que você aprende vale muito mais do que o que você já sabe no início da jornada.
Chega de introdução. Vamos à história.
O que é o Real Valor
Pra quem não sabe, o Real Valor foi uma plataforma de acompanhamento de investimentos criada por mim e pelo Gabriel Farias para ajudar o brasileiro a acompanhar sua carteira usando as melhores análises e métricas do mercado financeiro. No fim do dia, a ideia era fazer o brasileiro investir melhor.
Real Valor foi adquirido pela Empiricus em 2020
Começamos o Real Valor em 2017 sem nunca ter trabalhado no mercado financeiro e nem no mercado de tecnologia. Nunca tínhamos programado antes. em 2020 vendemos o Real Valor com 150 mil usuários ativos no mês, num deal de 8 dígitos. Um ano depois éramos diretores de uma corretora.
Contextualizando
Eu comecei a investir por volta de 2014, depois da minha irmã Adriana me encher o saco falando que não deveria deixar o dinheiro que eu estava ganhando no estágio parado no banco.
Por alguma obra divina, um dia vi que o grande amigo e mentor Eduardo Turba Gonçalves estava lendo "investimentos inteligentes" e pedi para ele me emprestar quando terminasse. Li o livro, comecei a buscar informação na internet e dei de cara com o Blog de Valor do Andre Bona e comecei a ter uma base.
Lá para 2015 fui impactado com o famoso vídeo "O Fim do Brasil" da Empiricus e assinei um relatório deles. Comecei a ler recomendações de investimento toda semana e em dado momento abri uma conta na XP e comecei a investir.
Como sou bastante frugal (também conhecido como pão duro para caralho), sempre sobrava um dinheiro no final do mês e eu aproveitava para investir.
Nessa época eu estava trabalhando como consultor de gestão e lá, tive frase tatuada na minha mente: "quem não mede não gerencia". E eu não estava medindo os meus investimentos.
Os apps e sites de corretoras da época só ajudavam a investir. Na hora de acompanhar como estavam indo as coisas, era cada um por si.
Eu precisava de algum processo para mensurar os investimentos tanto para aprender com os erros e acertos quanto para ir mexendo na carteira para melhorar os retornos.
Procurei ferramentas que pudessem me ajudar nisso e não achei nada que fosse intuitivo e simples. O que existia na época demandava quase que um MBA na ferramenta para conseguir usar.
"Po, se eu for demorar 2 semanas estudando a ferramenta para conseguir usar, prefiro fazer um excelzinho."
Lá fui eu criar minha própria planilha. Quem já fez isso sabe o trabalho que dá. Mas não é um trabalho em vão. O processo de criação é delicioso. Sem contar o quão gratificante é ver o seu portfolio performando
Dashboard da minha carteira em 2016
Só que o trabalho não era só criar a planilha. Manter a planilha dava muuuuito trabalho. Estamos falando de 2016. Não era trivial buscar as cotações das ações na internet via fórmulas do google sheets. Uma vez por semana eu abria a planilha e atualizava todas as cotações dos meus investimentos.
Depois, fazia isso mensalmente. Depois bimensalmente… até que desisti. O resultado da planilha era muito bom, mas o trabalho começou a tornar inviável.
Call do Gabriel
Um dia, meu amigo Gabriel Farias me manda mensagem despretensiosa:
"Ai, você é o cara das ferramentas… Conhece alguma para acompanhar os investimentos?"
Ele estava começando a ajudar o pai no portfolio, mas o pai investia uma parte na corretora e outra parte no banco. O que já era difícil de fazer quando o investidor tinha conta em apenas uma instituição financeira ficava impossível quando o patrimônio estava diversificado em várias.
Expliquei para ele: "Até existe, mas para botar para funcionar é um parto. Então acabei fazendo meu próprio Excel. Se quiser, te passo".
Então ele teve uma ideia de que na época pareceu idiota, mas o tempo provou ser genial:
"Ué, se não tem, por que não fazemos uma?"
As respostas óbvias seriam:
1- Porque não sabemos programar
2- Porque o Excel já resolve
3- Porque se corretoras não fizeram até agora, como que a gente vai conseguir?
Mas a resposta foi outra:
BORA
Na verdade, eu já estava querendo sair do meu emprego porque sofria com a falta de autonomia. Além disso, tinha acabado de viver uma experiencia que mudou minha percepção de mundo:
Consegui criar uma ferramenta que garantiu a venda de um projeto milionário. Sabe o que ganhei em troca? Dica:
Não foi um aumento
Não foi um bônus
Não foi uma promoção.
Foram dois tapinhas nas costas.
Essa dinâmica me destruiu. Se eu fizesse algo fora de série, ganharia 2 tapinhas nas costas, mas se fizesse algo desastroso, seria demitido.
Empreender me parecia mais justo: se fizesse algo genial, ganharia mais do que 2 tapinhas nas costas.
Talvez essa revolta tenha feito eu não usar as respostas mais óbvias e falar "bora". Mas como a gente não sabia direito o que fazer, falei com Gabriel que continuaria no meu emprego até termos alguma noção.
O Gabriel tinha acabado de se demitir depois de um burnout tenso numa empresa de consultoria.
Temos uma ideia. E agora?
A ideia era simples. Muita gente está começando a investir, mas ninguém está ajudando essas pessoas a entender o que acontece depois que o investimento é feito.
Eu e Gabriel queríamos criar um app que facilitasse esse acompanhamento.
Como a gente não tinha IDEIA do que fazer, recorremos aos estudos. Eu li o livro Lean Startup do Eric Ries e nós começamos a fazer um curso de como começar uma startup do Steve Blank. (https://www.udacity.com/course/how-to-build-a-startup--ep245)
Algumas coisas foram ficando claras. O caminho foi se desenhando. A ideia era apenas um detalhe. O importante é executar essa ideia.
O próximo passo era entrevistar possíveis clientes e ver o que eles achavam da ideia. Se eles não gostassem, não faria sentido investir tempo e dinheiro numa solução que não teria mercado.
Durante as entrevistas, eu mostrava um Wire frame de como seria o aplicativo. Ele foi feito no próprio Excel. Era necessário um bom grau de abstração para ignorar que estava no Excel e imaginar aquilo sendo um app.
Wireframe do Real Valor
Entrevistei todos os amigos. Em pouco tempo estava entrevistando amigos de amigos e amigos de amigos de amigos.
Ficou claro que existia essa dor no mercado.
Algumas pessoas não acompanhavam os investimentos porque não sabiam como fazer e gostariam de acompanhar
As outras acompanhavam, mas tinham um trabalho hercúleo para ficar atualizando as planilhas
Demissão
Beleza. Temos uma ideia e ela parece fazer sentido com os potenciais usuários. Chegou a hora de me demitir.
Mas tinha um detalhe. No fim de 2016, o desemprego era alto. Muitos amigos que tinham se formado comigo em engenharia estavam fazendo mestrado porque não conseguiram emprego. A grande maioria que estava empregada tinha saído do Rio de Janeiro para trabalhar em São Paulo (eu era um desses).
Entenda a dualidade:
Continuar num emprego bom numa época difícil (mas que eu odiava)
Pedir demissão, criar um aplicativo para o mercado financeiro sem ter conhecimento de programação, de tecnologia e nem de empreendedorismo e sem a menor ideia de como faria dinheiro.
Óbvio que eu queria me demitir. Mas essa escolha era muito difícil. Ainda mais com a família pressionando para não fazer essa loucura.
Me recomendaram o livro 4 hour Work Week do Tim Ferriss.
Meu chefe na época adorava ler, então fui perguntar para ele se ele conhecia esse livro e o que achava dele.
"Se você ler, você vai se demitir."
O livro responsável por eu decidir me demitir
Detalhe que ele nem sabia que eu estava com essa vontade.
Comecei a ler o livro com aquela frase em mente e antes de terminar o livro já tinha pedido demissão.
No dia 09/12/2016 eu saí oficialmente do meu emprego na consultoria e estava pronto para começar a startup que viria a ser o Real Valor.
Como começar?
Agora tínhamos uma ideia e tempo para executar. Mas e aí?
A gente queria fazer um app de analytics de carteira de investimento, mas não sabíamos programar. Na verdade, até sabíamos o que aprendemos na faculdade de engenharia mecânica: programação 1 e programação 2.
Tinha feito aula de programação 5 anos anos e me formado sem uma nota diferenciada.
O Gabriel achava que fazia sentido a gente terceirizar o desenvolvimento do app porque achava que seria impossível a gente conseguir fazer.
Eu conversava com um outro amigo, Patrick Rahy, que estava terceirizando um app e me falava de todas as dificuldades que isso trazia.
Terceirizar o core product é muito ousado porque você fica na mão dos desenvolvedores. Cedo ou tarde você vai querer desenvolvedores próprios e eles não vão entender o código. Resultado? Vão acabar recomeçando do zero.
Eu tentei convencer o Gabriel que valia a pena tentar: "Cara, eu aprendi a tocar guitarra vendo vídeo no Youtube. Com certeza a gente consegue aprender a fazer apps".
Quem conhece o Gabriel sabe que esse tipo de argumentação NUNCA convenceria ele. Então eu bolei um plano:
"Vamos tentar fazer por 1 mês. Se em 1 mês e a gente ainda estiver patinando, a gente faz de outra forma.
Ele concordou. E eu sabia que não existia a possibilidade de a gente estar patinando dali a 1 mês. A gente tinha que conseguir.
Para garantir que a gente iria extrair o máximo possível decidimos: "Vamos trabalhar juntos. Num mesmo teto.
Na minha casa ou na casa dele teriam muitas distrações. Tivemos a ideia de ir para a biblioteca da PUC porque estaria vazia, seria um local perto dos 2, com ar-condicionado (os cariocas no mês de janeiro vivem uma dinâmica parecida com a que batatas vivem dentro de uma Air Fryer) e eu tinha muitos amigos se formando lá, então conseguiria pegar o acesso ao wifi pedindo a eles.
Resgatei um slide de um pitch de março que dá spoiler sobre a continuação da história (versão alfa)
Não começamos no dia 01/01/2017 porque a PUC não abriu. Mas a partir do dia 02/01/2017 começamos a ir para a PUC todos os dias e ficar lá durante todo o período em que a biblioteca ficava aberta.
Tínhamos a ideia, sabíamos que as pessoas usariam, tínhamos um local para trabalhar e agora só faltava fazer TUDO (sem saber fazer).
To be continued…
Vou trazer cada parte dessa história as quartas feiras no LinkedIn. Na semana que vem eu trago a parte 2: Criando o app sem saber programar.